Escrever sobre a experiência da trilha Salkantay não é tarefa fácil, pois acredito que cada pessoa tem uma experiência única, e o que escrevo aqui é totalmente pessoal.
Nesse momento estou na cama de um hostel barato, em Águas Calientes, com febre depois de ter passado muito mal ainda pela manhã. Tenho dor na batata da perna, nas coxas, nos braços, e o dedão do meu pé esquerdo, que havia inflamado antes da trilha, agora está pior. O outro pé tem uma pequena bolha e também um corte. Isso tudo é uma resposta do meu corpo, que coitado, não deve ter entendido até agora o que aconteceu. Foram 4 dias, 80 kms, muito frio, às vezes muito sol, e uma exigência do meu corpo além de seu limite. Sim, porque se houvesse respeitado meu limite ainda estaria parada na primeira subida, lá na primeira cidade da trilha. Tudo bem, acho que agora, após ter atingido o objetivo, ele (meu corpo) está no direito de reclamar um pouquinho. Amanhã já estarei melhor.
Durante a caminhada foram muitas reações, desde raiva por ter inventado de fazer a trilha, até choro por ter superado uma parte do trajeto. Acontece que eu sou teimosa, e decidi que faria a trilha, na minha primeira visita à Machu Pichu, há um ano e meio atrás, e agora precisava provar que conseguia fazer isso. Era uma aposta minha comigo mesma, do tipo: "vai Marina, prova pra mim que você é forte e corajosa, como você pensa que é, e termina essa trilha". E aí, a cada etapa concluída, vinha aquele pensamento: "viu, eu disse que você conseguia".
E o mais impressionante é que quando colocada em uma situação como essa o pensamento gira somente em função do trajeto, da caminhada e da sobrevivência. No meu caso a mente ficou vazia, sem pensamentos futuros ou passados, tudo o que importava era o presente. É como uma meditação, concentração na passada, no ritmo, na respiração, na dor, e só. Horas e mais horas assim. As vezes eu conversava no caminho com outras pessoas, mas a maior parte do tempo estava em silêncio, sozinha.
No primeiro dia, durante a apresentação das pessoas no meu grupo, já imaginei que teria mais dificuldade que os outros. Todos eles com menos de 30 anos, europeus. Não da pra ignorar, a idade faz diferença, e o fato de ser Europeu, faz deles uma raça mais forte, preparada para a altitude, para a neve e frio. Todos os dias o garoto alemão passava por mim correndo, como se estivesse atrasado para a escola. Bom, talvez se eu estivesse com melhor preparo físico a diferença não seria tão grande, mas não foi o caso, a preguiçosa aqui há tempos que não fazia nenhuma atividade física.
Quando cheguei no acampamento no primeiro dia, uma barraca montada em baixo de uma tenda, bem próxima da montanha nevada foi uma alegria. Fiquei feliz por ter concluído o primeiro dia com êxito, e por estar naquela barraca tão confortável. Que ironia, uma barraca, e um saco de dormir pareciam uma miragem depois de tudo aquilo. Meus pés doíam tanto que do jeito que deitei eu fiquei, não tinha forças pra me mexer. No jantar o guia deu uma explicação para o segundo dia, que segundo ele, era o pior. Seriam 4 horas de subida a mais de 4 mil metros de altitude. Deixou claro que quem quisesse desistir deveria fazer logo, para ser possível pegar um cavalo para cruzar a montanha. Fui dormir apavorada, com muito medo de não conseguir. Durante a noite fez um frio de muitos graus abaixo de zero.
Acordamos as 5 da manhã e logo começamos a caminhada. Acho que o guia deu uma "puxada" na galera, logo no início pra ver quem resolvia voltar. Eu fiquei pra trás como sempre, mas terminei a primeira parte. Duas meninas resolveram voltar. Eu fiquei e pensei: "só desisto se cair dura no chão". Continuamos pelas próximas horas, numa tática infalível para montanhas e altitude, devagar e sempre, sem parar pra descansar. Funcionou! Cheguei ao topo depois de todos, mas ainda em tempo pras fotos do grupo. Nevava e fazia muito frio, mas meu corpo estava quente e um pouco anestesiado depois de tanto esforço. Aí eram SÓ mais 5 horas de caminhada ladeira abaixo. Foi descendo sozinha a montanha, com neve caindo no rosto que chorei. Chorei alguns minutos, de cansaço, de realização, de satisfação, de felicidade.
O terceiro e o quarto dia eram, supostamente, os mais fáceis. Não achei. Talvez seria se eu não tivesse enfrentado os dois dias anteriores. Quando acordei, no terceiro dia, meu corpo estava cansado, sem forças. Cai duas vezes na trilha por puro cansaço físico, as respostas do corpo eram lentas e demoradas. Foi nesse dia que descobri o poder do chocolate. Foi comer uma barrinha de Twix que meu corpo achou forças do além. No final desse dia fomos até as águas termais, e pudemos descansar por umas 3 horas nas águas quentes. Que delícia!!!
O quarto dia era também pra ser fácil, mas tínhamos que carregar conosco todas as coisas que até agora estavam sendo transportadas pelos cavalos. Cinco kgs a mais nas costas e vamos que vamos! Foram mais 6 horas de caminhada num sol que lembrou as minhas visitas na obra em Cuiabá. Em pensar que eu reclamava de dar uma voltinha por lá. Chegamos em Águas Calientes, a cidade de entrada para Machu Pichu, no início da tarde. Eu estava esgotada, acabada, tudo o que eu queria era tomar um banho e descansar.
Quando cheguei no hotel e me olhei no espelho realizei que faziam quatro dias que não me olhava refletida em lugar nenhum. Faziam quatro dias que não tomava um banho decente, que não me preocupava com a sujeira das minhas roupas e do meu corpo e que não acessava a internet. E parece que foram décadas! Cada dia foi tão intenso, tão cheio de surpresas e desafios, tanta coisa nova acontecendo. Com certeza foi uma experiência única, como muitas nessa viagem. Eu provavelmente não faria essa trilha denovo, mas fico muito feliz e orgulhosa por te-la feito. Quando cheguei a Machu Pichu no quinto dia agradeci por estar lá, por ter conseguido, pela vida que tenho, pela sorte que sempre está ao meu lado.
Ui, Morzinho! Por favor, para!!! Não é prá se matar!
ResponderExcluirMamãe
Vixe, que punk!! Mas vc conseguiu!! Corajosa!! É sempre dessas dificuldades da viagem e do modo como superamos que mais lembramos! Beijão!
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