segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Falsidade Ideológica

Eu confesso o crime. Fui eu!

Quando tudo começou parecia tão mais fácil calçar aqueles sapatos. A roupa também estava ali, linda, passada, muito mais bonita do que as que eu tinha, era só vestir! Resolvi experimentar. Quando olhei no espelho não me reconhecia, e eu gostava daquela sensação. Foi sair na rua e perceber a reação dos outros, olhando pra mim, com olhar de admiração, que eu já não queria mais tirar aquele sapato. Eu me sentia bem, era seguro estar escondida atrás daquela roupa que não era minha. Eu finalmente podia ser amada, respeitada e admirada, sem muito esforço. Parecia ser o caminho mais curto e fácil para conseguir aquilo que eu sempre quis.
 
Não era mais eu, eu tinha outra identidade. E assim eu podia atrair muitas vítimas sem ser incriminada. Uma depois da outra foram caindo na minha lábia. Ficavam atraídos pelas minhas histórias, pela minha personalidade falsa. Eu era forte, poderosa, determinada, inteligente, sabia o que queria, era justa e alegre. Havia muitas pessoas ao meu redor admirando aquela imagem. Eu olhava no espelho e já não me via.
 
Algumas das vítimas foram muito prejudicadas, eu enganei, aproveitei e abusei de sua inocência. Outras, fugiram pra muito longe quando descobriram a verdade. Outras, tiveram compaixão e ficaram ao meu lado. Mas todas foram vítimas do meu crime.
 
Eu me entrego! Não consigo mais suportar o peso dessa fantasia. Admito que errei e quero agora cumprir com a minha sentença. Sei que a maior prejudicada fui eu...
 
Não me importo com o tempo da minha reclusão. Que seja o tempo necessário para que haja justiça. Muitos fugirão quando descobrirem a verdade, vão ter nojo, desprezo, mas isso não importará mais.
 
Quando absolvida terei a minha maior recompensa, me olharei no espelho e reconhecerei a Marina, aquela que esteve há tantos anos escondida e de que tanto tenho saudades.
 
 
 

sábado, 15 de novembro de 2014

A família cubana!

Nesse exato momento estou morrendo de remorso por não ter tirado uma foto com a família da casa que fiquei hospedada por três noites em Vinãles! Vim no micro-ônibus, de lá até Playa Larga, me culpando por deixado passar a oportunidade de ter esse registro dessa família tão especial.  Foi por isso que hoje pela manhã, quando ainda pensava porque diabos não tinha tirado a foto, que percebi que o que queria era uma recordação da experiência, e não uma simples foto, e que poderia fazer isso através das palavras desse post! Bingo!
 
E foi assim que os conheci...
Logo que o ônibus parou na pequena praça de Vinãles, uma multidão aproximou-se da porta com cartazes, com nomes de hóspedes para as casas de família da região. E lá estava o meu nome, em uma folha de papel meio amassada, sendo segurada por um senhor, com o rosto queimado do sol e um chapéu de palha.
Confesso que fiquei desconfiada. Desci do ônibus e não fui na direção dele. Pensei: vai que é pra outra Marina! Mas passado alguns minutos, ele continuava lá, com seu papel estendido, procurando a Marina. Um pouco da multidão já havia se dissipado, e foi então que fui até ele e me apresentei. Com um sorriso de satisfação por ter me encontrado, o senhor me deu as boas-vindas.
Gentilmente o senhor, Chino como lhe chamavam, pegou a minha mochila grande, colocou nas suas costas e foi me levando pelas pequenas ruas até sua casa. No caminho cumprimentou todos os seus vizinhos, me falou que era aniversário da sua filha mais nova, que tinha uma neta, Jéssica, e que sua esposa, Tatica, estava me esperando. É óbvio que também mencionou as novelas brasileiras e de como ele e a família adoravam a que estavam assistindo no momento, Flor do Caribe. Como não assisto novela, não tenho a mínima ideia de qual seja, mas sacodi a cabeça em sinal de concordância e disse algo como, mui buena!
Estávamos quase chegando e seu filho mais velho, Jaciel, aproximou-se em uma bicicleta. Olhou para mim de cima à baixo e perguntou se eu era A brasileira. Sim, eu sou A brasileira. Aparentemente ser brasileira fornece um status automático de beleza. Assim que digo que sou do Brasil as pessoas abrem um sorriso, e os homens por aqui, me convidam para sair. Acredito que Cuba seja um ótimo destino para mulheres brasileiras com baixa autoestima. Não teve um só dia que não recebi um elogio! Recebi inúmeros convites para beber uma cerveja ou dançar salsa, e na praia de Caio Jutias, recebi dois convites para passear de barco pelas ilhas da região. Já estou craque em sorrir, agradecer o convite, e gentilmente decliná-lo.
A casa era simples, como todas as casas da cidade, mas muito limpa, ampla e bem cuidada. Me levaram até o meu quarto, no fundo da casa. O quarto tinha duas camas de casal, com colchas de um tecido brilhoso bem colorido. Havia mosqueteiros em cima das camas e um banheiro com azulejos de flores. Tatica me mostrou tudo com muita atenção e fez questão de me receber com um suco de limão, e mostrar que era da árvore de seu jardim. Uma delícia.
 
Larguei as mochilas no quarto, tirei os sapatos, coloquei uma roupa mais leve e fui conversar com Tatica e seu filho Jaciel no gazebo do jardim. Ela explicou sobre o café da manhã e também avisou, pedindo desculpas, que estavam fazendo uma obra nos outros banheiros da casa e que durante o dia podia haver algum barulho. Seu filho, guia de turismo da região, me explicou sobre o tour de cavalo que ele fazia pelos vales da cidade. Concordei em fazer o tour no outro dia pela manhã. Resolvi dar um passeio pelo centro da cidade, beber um mojito, petiscar algo (por esse país ser tão caro, estou fazendo uma dieta de fome) e voltei para casa pelo fim da tarde para descansar.
No outro dia pela manhã levantei cedo, morrendo de fome, e fui tomar o café da manhã no jardim, com uma vista linda para as montanhas. No café da manhã preparado pela Tatica, com muito carinho, sempre havia um suco de frutas natural, uma omelete que ela preparava na hora pra mim, além de um café passado, frutinhas cortadas e um pão quentinho.
Terminei o café, e como a minha mãe me ensinou, tirei as coisas da mesa e levei para a cozinha. Jaciel já estava lá me esperando, de camisa e chapéu de vaqueiro. Um tipo e tanto, de olhos claros e pele morena. Saímos pelas ruas um pouco tímidos, sem falar muito, mas logo que montamos os cavalos começamos a conversar. Enchi ele de perguntas, sobre como era viver ali, de quanto ele ganhava por mês, de quanto havia que pagar para o governo, de como o governo controlava seu trabalho como guia, se era feliz, se gostava do seu trabalho... e ele foi me respondendo, e também fazendo perguntas sobre o Brasil, sobre as novelas, as praias e o Carnaval. Quando percebemos estávamos conversando sem parar, fazendo piadas, cantando músicas Cubanas e Brasileiras, rindo um do outro.
Quase chegando na primeira parada, uma caverna de 2 km de extensão com piscinas naturais, ele começou a dizer como me achava bonita, e como havia percebido que também era bonita por dentro! Ai que clichê! Que tinha gostado de mim desde o primeiro momento e blá, blá, blá. Me contou uma história de amor, de um amigo dele Cubano, que havia conhecido uma espanhola em uma noite em Vinales, se apaixonaram, casaram, foram viver na Espanha e hoje são muito felizes! Algo me dizia que, lá no fundo, ele esperava que um dia isso também acontecesse com ele. E parecia que no momento, podia ser eu a sua futura esposa, ou no mínimo amante por umas noites.
Assim que desmontamos dos cavalos, para entrarmos na caverna, ele me puxou para ensinar alguns passos de salsa. Era um tal de coloca a perna aqui, vira o rosto assim, chega mais perto... e acabou a música imaginária, ufa! Saímos do estacionamento de cavalos e entramos na caverna, com mais um casal de turistas e um outro guia. A caverna era lindíssima, como nada que eu já tenha visto na minha vida. Caminhamos por alguns metros numa escuridão até chegarmos nas piscinas naturais. Nesse ponto da caverna, sem a luz da lanterna, era impossível enxergar qualquer coisa. Estava de biquíni por baixo da roupa e então resolvi entrar na água, e ele também. O guia e outro casal desistiram da piscina natural e foram embora. Fomos caminhando pela piscina por mais alguns metros, totalmente sozinhos, até encontrarmos um lugar que havia uma lama, supostamente muito boa para a pele, que devíamos espalha-la pelo corpo, esperar um pouco, e sairíamos de lá como novos. Ele me mostrou o lugar que eu devia pegar a lama e perguntou se podia espalhar nas minhas costas. Apagou a luz da lanterna, para supostamente não acabar a bateria, e começou a espalhar a lama em mim.
Para a história aí! Eu sei, fui um pouco estúpida. Depois contando essa história para um Francês que conheci também em Vinales, percebi como fui estúpida! Mas mais uma vez tive sorte, e o menino era muito bonzinho apesar de suas más intensões. Disse pra ele que não estava gostando daquilo e que queria voltar. Ele prontamente ligou a lanterna, me ajudou a descer da pedra que estávamos, e começamos a voltar. Nada aconteceu, sai de lá sã e salva.
No caminho de volta conversamos mais um pouco, demos mais algumas risadas, e quase chegando de volta a sua casa ele pediu para segurar a minha mão, me puxou, e roubou um beijo, de cima do seu cavalo. Foi bonitinho! Podia até virar uma história de amor, mas não virou. Chegando na sua casa, insistindo para entrarmos de mãos dadas, me disse que à noite me convidaria para tomarmos uma cerveja, mas a noite chegou e ele não me convidou. Confesso que fui dormir aliviada.
No outro dia pela manhã a pequena Jessica estava choramingando na cozinha. Ela estava reclamando para a sua vó que sua mãe havia saído e esquecido de lhe dar um beijo. Tatica aproveitou a minha presença para dizer a ela que entregasse o beijo à mim, e que assim que eu saísse para o centro da cidade encontraria sua mãe e entregaria o beijo à ela. Jessica aceitou a proposta e me deu um beijo bem estalado. Sai logo cedo para conhecer uma praia linda da região chamada Caio Jutias. No final do dia fui tomar umas cervejas com novos amigos que conheci na praia e cheguei de volta na casa um pouco tarde. Tatica ainda estava acordada e me disse que havia feito a reserva para a casa que ficaria no outro dia em Playa Larga.
No último dia, acordei pela manhã com a voz da pequena Jessica, que todo dia vinha me dar bom dia enquanto eu estava tomando café. A obra do banheiro estava quase pronta e Tatica me chamou para mostrar como estava ficando. Peguei as minhas roupas que ela havia deixado dobradas em cima da cadeira, porque eu havia esquecido de recolhe-las na noite anterior, e terminei de arrumar as minhas coisas.
Estava me sentindo em casa. Na hora que fui dar tchau, Jaciel me deu um abraço apertado e um beijo demorado no rosto, a pequena Jessica pulou no meu pescoço e enchi ela de beijinhos, Tatica passou a mão no meu rosto, me deu um beijo e um abraço e me agradeceu muito por estar lá, Chino me estendeu a mão, mas mudou de idéia e me puxou para um abraço e um beijo. Era como se estivesse indo embora da minha própria casa e me despedindo da minha própria família... e eu não tirei nenhuma foto.
Tudo bem, agora, depois dessa descrição detalhada, creio que tenha mais recordações dessa família do que qualquer foto de Iphone poderia me dar!
 
Olha a pose!
 

Jaciel de pé no cavalo.


A praça central.

Praia de Caio Jutias