segunda-feira, 23 de julho de 2018

A verdade é que dói!


Criei um hábito de contar e repetir para toda e qualquer pessoa que se interessa pela minha gravidez, que eu nunca antes havia pensado em ser mãe. Muitas vezes sinto que ficar repetindo isso aos quatro ventos me torna uma mulher negligente e irresponsável, uma mãe sem coração. Não sei se as pessoas pensam isso mesmo, ou se não dão a mínima bola quando eu falo em tom de muitas exclamações que eu nunca imaginei ser mãe, mas para mim a afirmação direciona para um julgamento instantâneo, de que não está certo falar isso, afinal ser mãe é uma "benção". 

Eu acredito que por não ter essa pretensão, eu nunca obtive informações sobre a gravidez, e em consequência eu não tinha a mínima ideia de que estar grávida podia causar tantas dores. 

As dores surgiram logo no início. Começaram com dores de estômago e cólicas, incômodos e coceira nos seios que cresciam rápido demais. E seguiram em dores nas costas, e nas pernas por dificuldade de circulação. Continuo tendo incômodos na hora de dormir, na hora de caminhar, na hora de ir no banheiro, e outras coisinhas que nem sei se vale mencionar. O peso da barriga atrapalha. Todas as roupas apertam. Ficar sentada por muito tempo é ruim, ficar deitada faz meu ciático doer. Eu me sinto muito gorda, caminhando como uma pata. Amarrar o sapato é difícil, subir uma escada é cansativo, lavar a louça só de ladinho, e sentir o bebê mexer nem sempre é a sensação mais agradável do mundo. Fora o sono, que às vezes é incontrolável. E as restrições alimentares, afinal você é responsável por nutrir um pequeno ser humano que está se desenvolvendo dentro de você. Às vezes tenho crises de raiva, e só consigo pensar na possibilidade de poder arrancar a barriga por um tempinho para me sentir menos indisposta. Fora as variações de humor, as crises de choro, o medo e a ansiedade. 

Se você for como eu, vai ler tudo isso e pensar que estou tendo uma péssima experiência, que estou sendo negativa, cruel e injusta. É, parece que falar, salientar e reclamar disso tudo me torna uma péssima mulher. E por que mesmo? Por que me sinto tão culpada de falar sobre as dores e dificuldades da gravidez?

Porque eu nunca ouvi ninguém falar sobre isso! Porque nunca me ensinaram na escola as etapas de uma gestação. Porque nunca me ensinaram sobre o parto natural e sua importância, porque nunca, nenhuma mulher ou homem me alertaram para os riscos, para os cuidados, e para os sintomas de gestar uma vida dentro do meu corpo. É quase como um assunto velado. Falar disso é feio, te torna uma pessoa ruim. Pois afinal eu deveria estar feliz e agradecida por ter a oportunidade de ser mãe, e só. E é verdade. Sim, eu estou feliz e muito agradecida por tudo estar dando certo na gravidez, por todas as descobertas e mudanças, por todo o autoconhecimento que desencadeia a cada nova etapa, mas isso não muda nada as horas de dores físicas e emocionais.

A questão é que tenho muitos privilégios, e tenho muito apoio da família e da empresa em que trabalho para passar por essa etapa. Mas as mulheres que não os tem? E as mulheres que trabalham em atividades braçais, que não podem parar de trabalhar até o bebê nascer, e que tem que continuar com suas responsabilidades domésticas? E as mulheres que não tem direito a licença maternidade, ou que não tem quem assuma o trabalho doméstico durante a sua gestação? E as que não tem nenhum tipo de suporte emocional?

Não há espaço para essa discussão, não há espaço para falar abertamente sobre as dificuldades, sobre a fragilidade da mulher nesse período, e ignorar tudo isso ainda ajuda na manutenção do nosso sistema. Melhor mesmo banalizar e transformar os desconfortos em privilégios e piada, como na tirinha abaixo (de uma página do Face). Afinal as mulheres grávidas, estão só grávidas e não tem nenhuma necessidade específica. Devem continuar produzindo, e devem manter suas responsabilidades profissionais e domésticas. É quase um: fica quietinha, para de reclamar, continua trabalhando, em casa e no trabalho, logo isso vai passar e todas essas dores serão esquecidas. Foca a tua atenção no deleite de ser mãe, e agradece!

Fico só imaginando se fossem os homens a passar por tudo isso, com certeza o resultado seria muito diferente...



quinta-feira, 10 de maio de 2018

Passado os três primeiros meses!

Eu assumo a responsabilidade de nunca ter buscado informações sobre maternidade e gravidez. A maternidade estava tão longe dos meus planos que eu acreditava não ter sentido nenhum "perder tempo" aprendendo sobre o tema.  Acho que por isso até uma antipatia por mulheres grávidas eu desenvolvi. Eu confesso que olhava para elas com um misto de pena e desgosto. Sempre achando-as desajeitadas e julgando a forma que se vestiam, se moviam, e até a forma que acariciavam suas barrigas. Ok, eu sei, fui uma péssima pessoa com esses julgamentos, e agora o Universo tá dando um jeito de me ensinar a lição. Acho que o principal aprendizado até o momento foi: "Marina você só pensa que é empática, falta muito para livrar-se de todos os julgamentos e preconceitos e sensibilizar-se com a realidade de outras pessoas". Ponto para o Universo, falta pra mim. Aceita, aprende e segue em frente!

Passado os três primeiros meses de turbilhão de emoções, de dilemas quanto a vida profissional, lugar para morar, de data para voltar ao Brasil, de contas e planos, de dores de estômago e nos seios, sono intenso e medo, muito medo do desconhecido, eu finalmente havia aterrizado os pés no chão. Decidimos, eu e o Marcus, a voltar pra Porto Alegre no final de Abril, com cinco meses de gravidez, e desde então o foco das nossas ações direcionou-se para dois temas: achar um médico para acompanhar o parto, e nos preparar para a chegada do bebê.

Ter um parto natural com respeito.
O primeiro médico que buscamos foi indicação de uma conhecida que teve gêmeos por parto normal. O médico obstetra dela apoiou e acompanhou o parto natural dos dois bebês. Ingenuamente achei que isso seria o suficiente para garantir o direito da minha escolha por um parto humanizado.
Conforme fui pesquisando, me informando, ouvindo outros relatos, buscando outros profissionais da área, percebi que o caminho para ter um parto natural, sem nenhum tipo de violência, e sem o risco de uma cesárea desnecessária seria bastante difícil.
O primeiro dado que me deparei em minhas pesquisas, foi o percentual de cesáreas realizadas no Brasil (o país com o maior índice de cesáreas no mundo). As cesáreas são 56% na totalidade dos nascimentos, e o número sobe para quase 90% em hospitais privados. A Organização Mundial de Saúde preconiza que apenas 10% de cesárias são necessárias por medida de segurança, para redução da morbidade neonatal e materna, ou seja, o restante (80%) são por comodidade médica ou da paciente. O número é chocante!
Fui buscar mais informação com as minhas amigas mães sobre seus partos, e acredito que elas seguem as estatísticas. A grande maioria fez cesárea, e os motivos são os mais variados, desde a idade da mãe até o tamanho do bebê, muitos deles totalmente questionáveis.
A verdade é que o sistema médico no Brasil não incentiva o parto natural. O valor pago para um médico fazer uma cesárea é muito mais vantajoso que o valor pago para um parto natural que pode durar horas. Por isso, a maioria dos médicos vai tentar achar uma justificativa para agendar aquela cesárea e voltar para seu consultório o mais rápido possível.
A maioria das mães, induzidas por seus médicos, não vão buscar informações sobre os riscos das cesáreas e nem sobre os infinitos benefícios que um parto natural terá para ela e para o seu bebê, e apenas seguirão a corrente, acabando em mesas de cirurgias.
E isso é só a ponta do iceberg. Uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência no prenatal ou durante o parto. A violência pode ser desde privação de comida durante o trabalho de parto até xingamentos e agressão física.
É nessas horas que percebo como os meus privilégios me colocam em uma posição de vantagem sobre muitas mulheres. Eu tenho acesso a informação e tenho a possibilidade de decidir pelo parto que eu julgar ideal. Mesmo assim o caminho para o parto natural não será fácil. A falta de respeito por nossas escolhas vem de todos os lados. Fim de semana passado, ao avisar para os médicos do centro de ecografias que eu não queria saber o sexo do bebê tive que escutar piadinhas bobas e ainda ficar com receio, até o último momento, que a minha vontade não seria respeitada. E isso não é nada comparado à tantas outras agressões que podem acontecer durante o prenatal e o parto, principalmente com mulheres de baixa renda.

Preparação para receber o bebê.
Acredito que me preparar para receber o bebê está muito mais relacionado com organizar nosso tempo (meu e do meu companheiro) para práticas de yoga, meditação, escolher e cozinhar nossa comida, do que comprar utensílios para o bebê. Parece que a cultura de consumo exige que o "enxoval"do bebê tenha um número x de produtos, e não tê-los pode evidenciar a péssima mãe que você será. Até eu, que tenho consciência disso, e tento evitar o consumo desnecessário, caio na armadilha de não ser uma "boa mãe"por não ter determinados produtos.
Decidimos que não vamos comprar carrinho, nem berço, nem um trilhão de roupinhas, sapatos e acessórios. Vamos começar com o mínimo necessário e aos poucos, dependendo da necessidade, vamos comprar, ou não, tais produtos.
Decidimos que vamos tentar usar fraldas de pano. Elas são muito melhores para o bebê, que não estará em constante contato com um monte de químicos de fraldas descartáveis, além de ser uma ajuda ao meio ambiente.
Decidimos que o bebê vai dormir no nosso quarto, num moisés, nos seus primeiros dias de vida. E depois? Bom, depois vamos deixar nossa intuição e nossa vivência com esse serzinho definir o que é melhor pra todos.

É claro que ainda existe muita insegurança, e muita falta de informação. Mas estou confiante que aos poucos a gente vai descobrindo qual é a melhor maneira de receber esse ser nas nossas vidas. Tenho certeza que ele vai me ensinar muito mais do que a minha prepotente sabedoria de listas de enxovais de bebê, ou de conselhos de vendedoras de lojas infantis.

sábado, 3 de março de 2018

Sobre expectativas, sobre ser mãe!

Seria mentira se eu dissesse que nunca imaginei ser mãe. Assim como muitas outras meninas eu brinquei de boneca e imaginei o nome que a minha filhinha teria quando ela nascesse (como se isso não fosse uma opção e sim algo natural, que com certeza absoluta aconteceria).

Eu cresci, amadureci e passei a questionar muitas verdades, inclusive a de TER que ser mãe. Por mais que eu tenha o privilégio de acesso à informação, e de decidir sobre o meu futuro “maternal”, a pressão de um pensamento social de que mulheres (na minha idade principalmente) tem que ser mãe, sempre esteve presente. Isso ficou evidente no momento de contar para os amigos sobre a gravidez: 
-Tenho que te contar uma novidade!
-Tu estás grávida?
Ninguém sugeriu que eu tivesse ganhado uma promoção no trabalho, que eu estivesse indo morar no Butão, que eu tivesse pedido demissão pela segunda vez… 100% das reações foram presumindo que a minha novidade é de que eu seria mãe. Bom, dessa vez acertaram.

Acontece que para mim, tudo isso foi uma grande novidade. Talvez se eu mesma tivesse me contando uma novidade, eu nunca acharia que seria relacionado à uma gravidez. Ser mãe não estava nos planos. Depois de entender que isso não precisava acontecer, tornou-se quase uma bandeira da minha luta feminista, “Pelo direito das mulheres que não querem ser mães”! “Não sou obrigada”, é o que dizia o cartaz que eu carregava na marcha do último 8 de Março.

E também não era obrigada a manter o mesmo posicionamento para sempre.

Comecei a mudar de ideia em uma conversa despretensiosa com o homem que me fazia pensar sobre as minhas verdades. Tornou-se uma decisão poucos meses depois, numa conversa rápida de sofá. Algum tempo depois eu estava grávida. Agora olhando para trás, parece óbvio que se um dia eu tomasse essa decisão, seria assim, com o coração e não com a razão, como todas as outras grandes decisões da minha vida.

Isso tudo pode soar uma grande irresponsabilidade, e eu mesma tive a maior crise de senso de responsabilidade algumas semanas depois de descobrir que estava grávida. Surtei pensando que o momento não era o ideal (eu estou morando em Santiago!), que isso afetaria minha carreira, que eu não teria dinheiro, estrutura emocional, que eu não teria saúde, que eu não aguentaria o parto, que eu não teria apoio familiar, que eu seria uma péssima mãe, enfim, um milhão de paranoias, que só mesmo o meu namorado para me trazer de volta pra realidade, colocar meu pé no chão, e me convencer de que tudo estava bem.

E sim, estava tudo bem. Era só uma questão de expectativas criadas e confrontadas. Eu nem sabia que elas existiam, mas elas estavam lá, só esperando para me chantagearem no momento certo. É impossível dizer que eu não tenha criado expectativas para a mãe perfeita, para a profissional e mulher perfeita. Há muito tempo eu tenho tentado me livrar das tais Expectativas. Tenho intencionalmente trabalhado para que elas não existam ou quando existam, não me afetem tanto se não realizadas. Mas concluí que isso é o grande segredo da vida, e que é algo que deve ser praticado todos os dias. Quando nos livrarmos de expectativas do futuro, poderemos viver plenamente o presente.

Mas foi assim que virei mãe no presente. No futuro, só o Universo pra dizer como vai ser. Hoje sou uma mãe confusa, que sofreu absurdamente nos três primeiros meses, com dores de estomago, enjoos, dores nos seios, cólicas, mau humor, falta de paciência e sensibilidade extrema. Chorei, entrei em crise por escolhas relacionadas ao trabalho (quando voltar para o Brasil), fiquei sem respirar de tão ansiosa toda vez que fiz uma consulta médica, com medo de que eu tivesse feito algo que tivesse prejudicado o serzinho que me escolheu como mãe. Não me via refletida em modelos de maternidade, não sou casada, não sei nada sobre enxoval de bebês, tenho medo (ainda) de pesquisar sobre parto, não gosto nem de imaginar ficar gorda, e já me deixa nervosa só o fato das minhas calças não fecharem mais.

Algumas pessoas dizem que é normal, que na verdade são poucas as mulheres que vivem a plenitude de uma gravidez que nem dos anúncios de TV. Eu gostaria de acreditar que não sou a única mulher por aí assim.

Enquanto isso, sigo vivendo um dia de cada vez, e me deliciando com cada novidade. Hoje deitada na cama e olhando para a minha barriga, fiquei imaginando como seria divertido se a pele fosse transparente e eu pudesse contemplar o meu nenê ali, como num aquário! Ser mãe tem sido uma experiência realmente divertida. Que continue sendo assim!!!

domingo, 3 de setembro de 2017

Você acredita que mudaremos o mundo?

- Você acredita mesmo que mudaremos o mundo através do nosso trabalho?

Foi com essa pergunta, que voltando para casa depois de um dia estressante, iniciei uma conversa com um amigo e colega, sobre o propósito do nosso trabalho, sobre fazer a diferença e mudar o mundo.

Veja bem, eu particularmente acho até arrogante falar que o meu trabalho vai mudar o mundo. O mundo é muito grande e extremamente complexo para achar que eu tenho controle ou poder de mudar todo o coletivo. Impactar pessoas, suas vidas e realidades é algo mais tangível, e para mim soa menos megalomaníaco.

Mas aí, avaliar o impacto do nosso serviço e da nossa organização na vida das pessoas, poderia se tornar uma discussão infinita, pois as variáveis são muitas, e mensurar a importância de cada ação na vida de cada pessoa é quase um trabalho de juiz na porta do céu.

Suponhamos que uma pessoa trabalhe numa grande corporação, em um cargo importante, em um setor que emprega muita gente, e com o dinheiro que ela ganha nessa empresa ela faz uma importante doação para uma fundação que cuida de crianças abandonadas. Essa pessoa impacta mais do que uma funcionária dessa mesma fundação, que ganha um salário bem menor, mas não pode ajudar financeiramente indivíduos da sua própria família? Será que a pessoa que trabalha numa ONG e continua fazendo compras em lojas de vestuário que exploram a mão de obra, ou que consome de forma inconsciente, ou que não separa o lixo, ou que prefere o transporte privado ao público, ou que ainda discrimina ou julga outros com posicionamentos políticos diferente do seu, impacta mais a sociedade de que alguém com um trabalho ordinário, mas uma consciência maior?

Antes da minha atual empresa, eu trabalhei numa consultoria para construções sustentáveis. Eu cresci numa casa onde separávamos o lixo mesmo antes de haver coleta seletiva na cidade, então a preocupação com o meio ambiente sempre fez parte do meu dia a dia. Achava que trabalhar para que grandes construções tivessem menor impacto ambiental, seria uma forma de mudar o mundo (nessa época eu ainda era ingênua e pensava que através do meu emprego eu faria A diferença). Acontece que eu trabalhava para grandes construtoras, que não estavam preocupadas com o meio ambiente, mas sim com o retorno comercial que anunciar um “prédio verde” teria. Os impactos das minhas ações eram tão ínfimos para o meio ambiente, que foi impossível não me frustrar a longo prazo. Além disso, o ambiente de construção civil era extremamente hostil para os operários, e obviamente para mim, mulher numa área dominada por homens.

É, ali eu não sentia que estava impactando positivamente a sociedade, só me restava abandonar o setor.

Passado um tempo fui trabalhar numa empresa de tecnologia, que tem como valor a busca de um ambiente mais empático, de respeito, e de criação de oportunidade para indivíduos marginalizados ou excluídos da área. Os clientes com que hoje trabalho, não são nada diferentes daqueles que eu trabalhava no setor da construção civil. São grandes empresas, com muitos funcionários, que oferecem serviços para a sociedade e faturam milhões por ano. A diferença, para mim, é que a empresa que trabalho atualmente, tem uma preocupação genuína em garantir um ambiente de respeito e oportunidades iguais para seus funcionários.  O impacto positivo disso na sociedade? Não sei responder se é maior ou menor que a companhia que eu trabalhava anteriormente, mas lá sinto que estou evoluindo pessoalmente, aprendendo mais sobre outras realidades, e também sobre mim.

Ainda não sei se eu estaria mais realizada trabalhando para uma ONG de empoderamento de mulheres, ou em uma empresa em que eu ganhasse um ótimo salário, ou num negócio próprio que eu faria tudo do meu jeito, ou ainda trabalhando menos e tendo mais tempo para me dedicar às pessoas do meu convívio imediato. 

Às vezes, pensando no potencial impacto positivo que teria com meu trabalho, imagino que  a solução estaria em não fazer parte “disso tudo”, e buscar uma vida mais sustentável em uma sociedade alternativa, em uma Ecovila por exemplo. Eu já pensei muito nisso, e considerei (estudando e visitando) mudar-me para um lugar assim, como forma de fazer a minha parte.

Depois de muito refletir sobre o assunto, concluí que a resposta nunca estará no exterior, nem no lugar que eu trabalharei ou morarei. A auto-realização, a consciência tranquila, a paz de espírito por seguir meus ideais, será mais facilmente alcançada se olhar para dentro, se a cada ação avaliar como eu poderia ser melhor. Ser melhor como trabalhadora, como familiar, como amiga, como vizinha, como indivíduo em uma sociedade complexa, carente de amor e paralisada de medo.

“Seja a mudança que você deseja ver no mundo”. Na frase de Gandhi está a resposta para a discussão que iniciamos naquele dia voltando do trabalho. Estávamos cansados, com muitas dúvidas, mas ainda determinados em sermos pessoas melhores. E é isso que importa no final das contas, não é?

domingo, 15 de janeiro de 2017

O tempo

Sinto que vivo presa à uma agenda. Como se eu estivesse grudada naquela fitinha vermelha, que servia para marcar a página nas antigas agendas de papel. E que ela está ali, controlando a minha existência, e me cobrando toda a vez que a desconsidero ou ignoro o que ela manda fazer.
Sim, eu e você já estamos acostumados com a obdiência social de respeitar horários de trabalho, de reuniões e eventos profissionais, e também de outros hábitos cotidianos como a hora do almoço e do jantar. O Google calendar faz questão de me lembrar 10, e 5 minutos antes de cada um desses compromissos, interrompendo qualquer coisa que eu esteja fazendo. É quase como uma ameaça: vá logo fazer o que eu estou mandando!
Obedecemos também sem contestar, à uma agenda de eventos definidos por religioes que não praticamos. E saímos correndo do trabalho para chegar ao shopping antes das 10 para comprar presentes festivos. Tudo está ali, definido por ela. O momento em que saímos pra tomar cerveja com os amigos, o momento que vamos praticar atividade física, o momento que almoçamos em família, o momento em que tomamos banho, até o momento que temos que casar e ter filhos. Em menor ou maior grau, cada um tem alguma flexibilidade na sua agenda, mas todos estamos presos à ela.
E aí saímos de férias, muitas vezes reclamando que estamos cansados dessa rotina. Já no primeiro dia traçamos planos que mais se parecem com a agenda do presidente da República (tenho dúvidas se a agenda dele é realmente atribulada, mas da pra entender o que estou dizendo).
Nessa última viagem, cheguei no hostel de uma cidadezinha pitoresca ao Sul do Chile e tudo o que vi foram pessoas correndo de um lado para o outro cumprindo com sua agenda de viagens, ou a enchendo ainda mais para os próximos dias.
Estava sentada, no jardim, tomando um chá, lendo meu livro e observando o vulcão ente uma página e outra, quando percebo um casal, do lado de dentro, em frente aos seus computadores discutindo, (não tão amigavelmente) os planos para os dias seguintes. O dia estava lindo, e o vulcao podia até ter entrado em erupção naquele momento, e eles não percebiam.
Em outro hostel escutei de um senhor que não faria o tour programado para aquele dia porque era o de número 4, e ele queria fazer "direito" e iniciar pelo tour número 1, que sairía no outro dia pela manhã. Claro, faz muito sentido ordenar as visitas aos monumentos históricos de acordo com a numeração dos tours da agência de viagens!
Em outro dia fui assistir ao amanhecer, num lugar fantástico, provavelmente um momento sem igual. Queria que passasse devagar e fiquei num exercício de observação da mudança das cores do céu em silêncio, enquanto ao mesmo tempo turistas corriam de um lado pro outro pra tirar a melhor foto.  E nem bem o sol aparecera no horizonte, já estavam indo embora! Provavelmente a agenda deles dizia que eles tinham que ir. Melhor obedece-la.
Já eu, sou uma pessoa, que morro aos poucos por dentro, sufocada pelas cobranças da minha agenda. Sempre tive problemas com isso e me culpei (e ainda me culpo) por não ter a disciplina da minha mãe, em seguir uma rotina.
Veja só que ironia da vida. Hoje sou Gerente de Projetos, e uma das minhas responsabilidades deveria ser planejar atividades e assegurar que elas estejam sendo executadas no momento certo. Hum, deveria reflletir melhor sobre isso depois...
Me encanta a arte de não fazer nada, de observar o momento, de ver as pessoas passarem, de ver as nuvens do céu mudarem de posição, de ouvir meus pensamentos, e ouvir a minha respiração. Gosto de não ter hora pra comer, pra dormir, pra acordar (meu corpo lembra disso quando desperta nas noites de insônia). E me irrito profundamente quando percebo que perdi horas da minha vida presa na internet.
Lembro que durante os anos de faculdade, sentada à mesa de desenho, que ficava ao lado da janela, me perdia em pensamentos. Quando percebia, havia passado meia hora que estava só olhando através do vidro, o nada. Talvez por isso que também me fascina as viagens longas de ônibus, em que eu posso passar horas, só olhando através da janela a mudança de paisagens.
Tenho a maior facilidade do mundo em chegar em casa e fazer nada. Deitar na cama e olhar para o teto, e me perder em pensamentos. Ou sentar na varanda com um copo de vinho na mão, escutando os barulhos da vizinhança.
Por isso que me assusta, e um pouco me incomoda, as pessoas que não tem a capacidade de ser levadas pelo tempo, que não se permitem nunca o acaso. O sair sem rumo, sair de férias sem planos, almoçar as 5 da tarde ou as 10 da manhã, sentar num banco da praça sem ter hora pra levantar, ficar em silêncio, mesmo ao lado de outras pessoas,  deixar de subir à Torre Eiffel para se deitar a sombra de uma árvore e ver a senhora levando o pão em baixo do braço.
Como sempre, tenho dúvidas se esse meu jeito, que muitas vezes parece preguiçoso, é o certo. Mas assim é como as coisas são para mim. Gosto de sentir o tempo passar. Estou tentando aceitar que sou assim, sem me culpar tanto por não querer ficar presa, naquela velha fitinha vermelha da agenda.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Sobre o amor - parte II

Nunca esqueço de uma conversa despretenciosa sobre o amor, que tive há muito tempo atrás com um colega de trabalho. Eu tinha terminado um relacionamento de cinco anos e estava arrasada. No meio do papo ele pergunta:
- Mas você realmente amava esse homem?
- Sim. Acho que sim. Quer dizer... como posso ter certeza?
Ele respondeu:
- Se você amasse, voce simplesmente saberia.
Soou meio arrogante, como quem já havia encontrado o amor verdadeiro, e que não tinha mais tempo a perder com essas questões mundanas (ele se separou algum tempo depois, detalhe complementar).
Fiquei com essa dúvida na cabeça por anos, e ainda penso se um dia vou ter essa certeza, de que já experimentei o amor pleno, por mim mesma e não através do outro.
Se eu amei? Sim, eu amei intensamente aquele menino e tantos outros que vieram depois.
Amei com todo o meu corpo, com o meu coração e com a minha mente.
Quis decorar as feições do seu rosto, as rugas dos seus olhos, a cor do seu cabelo e da sua pele. Quis que aquele momento em seus braços nunca acabasse. Respirei fundo pra sentir o seu cheiro. Quis sentir a sua pele, e estar tão perto, junto, como se eu fosse parte do seu corpo.
Me preocupei com seus problemas, com suas dores, com a sua saúde, com o seu jantar. Quis lhe dar tudo que eu tinha de melhor. O meu melhor sorriso, o meu melhor carinho, a minha melhor história, o meu melhor conselho.
Ri alto das suas piadas, topei os planos mais bobos, e disse muito mais sim do que não. Fui sincera e honesta.
Compartilhei segredos e desejos. Compartilhei ideias, opiniões, e a minha sobremesa.
Distribui abraços, beijos, cafuné e carinhos o tempo todo, em qualquer lugar.
Comemorei suas vitórias, e fiquei muito feliz quando ele estava feliz. E chorei, quando vi que não podia ajudar, quando a minha presença não podia aliviar a sua dor. Torci por sua felicidade, mesmo que essa fosse longe de mim. Mentalizei muita energia positiva nos seus piores momentos.
Me entreguei, de corpo e alma.
Fiz planos para o futuro, sonhei e desejei coisas bobas, pra nós dois, felizes pra sempre. Como se houvesse pra sempre.

Se isso é amar plenamente, eu não tenho certeza. Eu amei tudo o que eu podia e absorvi tudo o que de melhor existia entre nós dois.
Talvez eu ainda não tenha aprendido amar, talvez o amor seja algo muito mais simples, talvez o amor esteja no momento, talvez seja pra vida inteira, talvez não seja pra todos. Não sei bem. A única coisa que sei é que não quero deixar de amar intensamente, do jeito que for, do jeito que eu sei, sem economia, sem restrições, perdoando e aprendendo sempre, corrigindo os erros, recomeçando, mais uma vez.

domingo, 23 de outubro de 2016

Sobre o amor

Ontem à noite, com uma taça de vinho na mão, aninhada em meus travesseiros, antes de encarar mais alguns episódios de mais uma temporada no Netflix, resolvi assistir à um TED Talk sugerida por um dos meus colegas de trabalho, "The power of Vulnerability".

Uma excelente ideia para um sábado à noite, depois de um dia cheio de emoções, de preocupações com o futuro, com o trabalho e com a vida. Sim, eu estava extremamente vulnerável e acredito que a melhor opção seria assistir a um filme de ação, com perseguições de carro em alta velocidade, mas decidi, em sã consciência, assistir ao vídeo intitulado O poder da Vulnerabilidade.

O vídeo em questão, iniciava falando sobre conexões humanas. Sobre a habilidade do indivíduo empatizar com outros, de amar, de ter coragem de viver a vida com o coração. A oradora concluía dizendo que pessoas que aceitam a vulnerabilidade, e aceitam não ter controle das situações, vivem suas vidas de forma mais plena. Bom, isso é um resumo simplista sob o meu ponto de vista. Mas acontece que depois disso parei para refletir ainda mais sobre a minha própria vida.

Voltando um pouco no tempo, semana passada participei de um evento da empresa em que trabalho, em Florianópolis. Foi um fim de semana intenso, cheio de acontecimentos. Já na primeira noite no hotel tive uma "crise de pânico". Foi assim que eu apelidei esse momento em que eu perco o controle de tudo, das minhas emoções e reações, do meu corpo e até da minha respiração. Foi um momento que eu estive totalmente vulnerável, morrendo de vergonha, querendo entrar num buraco e aparecer no Japão. Passada a situação, no outro dia pela manhã, consegui admitir e explicar com palavras a minha fraqueza. Foi a primeira vez na vida que consegui falar disso com outra pessoa, e admitir o problema.

Vai entender a vida e o ser humano, mas acho que esse momento de vulnerabilidade extrema, e de "aceitação" de quem eu sou, foi super importante para todo o resto que sucedeu-se. E foi participando das conversas com pessoas tão parecidas comigo em muitos aspectos, e tão diferentes em outros, que eu fui estabelecendo conexões, e ideias foram se juntando, para no fim, depois de muitos aprendizados, concluir três fatos sobre mim:

  1. Eu preciso de momentos para discutir ideias. Eu sou idealizadora, eu sou sonhadora e sempre acho que é possível fazer diferente. Então, eu preciso de momentos que fujam do imediato, do dia-a-dia de responder emails e assistir a vídeos no Youtube. Eu preciso disso pra entender o real impacto das minhas ações, que estou fazendo algo maior e que vai muito além das oito horas diárias de trabalho.
  2. Eu gosto de resolver questões difíceis. E quando não há nenhum problema para ser resolvido eu me desinteresso. Eu estou sempre a procura de algo desafiador, e por isso que eu sou tão questionadora, que eu não aceito o imposto, que eu abomino o que é igual, o que é padrão. Não que resolver problemas traga felicidade, mas não resolve-los ou aceitá-los, é que me deixa infeliz!
  3. E eu descobri, que o que mais me fascina são as pessoas. Mais que viagens e lugares distantes, pessoas me despertam a curiosidade, me envolvem, me tiram do sério e me irritam. As pessoas não são lógicas, não são previsíveis. E é pelas conexões com as pessoas que acredito que a vida vale a pena. É me entregando de corpo e alma, sem medo e sem vergonha, que eu aprendo, que eu troco, evoluo, e me torno uma pessoa melhor. "Sem o amor eu nada seria".

Voltando ao vídeo da noite passada, eu acho que estou no caminho para entender e aceitar as minhas vulnerabilidades (e agora compartilhando elas aqui). Eu entendi que para mim é impossível amar e ser feliz sem ser vulnerável, sem me entregar, sem mostrar minhas fraquezas. Eu estou tentando viver de verdade, com coragem, mais perto do coração, nutrindo as conexões com as pessoas, não concordando com o imposto, fugindo das aparências, aceitando quem eu sou e que eu mereço, lutando pelos meus sonhos no mundo real.

Vejo o amor no horizonte!