domingo, 3 de setembro de 2017

Você acredita que mudaremos o mundo?

- Você acredita mesmo que mudaremos o mundo através do nosso trabalho?

Foi com essa pergunta, que voltando para casa depois de um dia estressante, iniciei uma conversa com um amigo e colega, sobre o propósito do nosso trabalho, sobre fazer a diferença e mudar o mundo.

Veja bem, eu particularmente acho até arrogante falar que o meu trabalho vai mudar o mundo. O mundo é muito grande e extremamente complexo para achar que eu tenho controle ou poder de mudar todo o coletivo. Impactar pessoas, suas vidas e realidades é algo mais tangível, e para mim soa menos megalomaníaco.

Mas aí, avaliar o impacto do nosso serviço e da nossa organização na vida das pessoas, poderia se tornar uma discussão infinita, pois as variáveis são muitas, e mensurar a importância de cada ação na vida de cada pessoa é quase um trabalho de juiz na porta do céu.

Suponhamos que uma pessoa trabalhe numa grande corporação, em um cargo importante, em um setor que emprega muita gente, e com o dinheiro que ela ganha nessa empresa ela faz uma importante doação para uma fundação que cuida de crianças abandonadas. Essa pessoa impacta mais do que uma funcionária dessa mesma fundação, que ganha um salário bem menor, mas não pode ajudar financeiramente indivíduos da sua própria família? Será que a pessoa que trabalha numa ONG e continua fazendo compras em lojas de vestuário que exploram a mão de obra, ou que consome de forma inconsciente, ou que não separa o lixo, ou que prefere o transporte privado ao público, ou que ainda discrimina ou julga outros com posicionamentos políticos diferente do seu, impacta mais a sociedade de que alguém com um trabalho ordinário, mas uma consciência maior?

Antes da minha atual empresa, eu trabalhei numa consultoria para construções sustentáveis. Eu cresci numa casa onde separávamos o lixo mesmo antes de haver coleta seletiva na cidade, então a preocupação com o meio ambiente sempre fez parte do meu dia a dia. Achava que trabalhar para que grandes construções tivessem menor impacto ambiental, seria uma forma de mudar o mundo (nessa época eu ainda era ingênua e pensava que através do meu emprego eu faria A diferença). Acontece que eu trabalhava para grandes construtoras, que não estavam preocupadas com o meio ambiente, mas sim com o retorno comercial que anunciar um “prédio verde” teria. Os impactos das minhas ações eram tão ínfimos para o meio ambiente, que foi impossível não me frustrar a longo prazo. Além disso, o ambiente de construção civil era extremamente hostil para os operários, e obviamente para mim, mulher numa área dominada por homens.

É, ali eu não sentia que estava impactando positivamente a sociedade, só me restava abandonar o setor.

Passado um tempo fui trabalhar numa empresa de tecnologia, que tem como valor a busca de um ambiente mais empático, de respeito, e de criação de oportunidade para indivíduos marginalizados ou excluídos da área. Os clientes com que hoje trabalho, não são nada diferentes daqueles que eu trabalhava no setor da construção civil. São grandes empresas, com muitos funcionários, que oferecem serviços para a sociedade e faturam milhões por ano. A diferença, para mim, é que a empresa que trabalho atualmente, tem uma preocupação genuína em garantir um ambiente de respeito e oportunidades iguais para seus funcionários.  O impacto positivo disso na sociedade? Não sei responder se é maior ou menor que a companhia que eu trabalhava anteriormente, mas lá sinto que estou evoluindo pessoalmente, aprendendo mais sobre outras realidades, e também sobre mim.

Ainda não sei se eu estaria mais realizada trabalhando para uma ONG de empoderamento de mulheres, ou em uma empresa em que eu ganhasse um ótimo salário, ou num negócio próprio que eu faria tudo do meu jeito, ou ainda trabalhando menos e tendo mais tempo para me dedicar às pessoas do meu convívio imediato. 

Às vezes, pensando no potencial impacto positivo que teria com meu trabalho, imagino que  a solução estaria em não fazer parte “disso tudo”, e buscar uma vida mais sustentável em uma sociedade alternativa, em uma Ecovila por exemplo. Eu já pensei muito nisso, e considerei (estudando e visitando) mudar-me para um lugar assim, como forma de fazer a minha parte.

Depois de muito refletir sobre o assunto, concluí que a resposta nunca estará no exterior, nem no lugar que eu trabalharei ou morarei. A auto-realização, a consciência tranquila, a paz de espírito por seguir meus ideais, será mais facilmente alcançada se olhar para dentro, se a cada ação avaliar como eu poderia ser melhor. Ser melhor como trabalhadora, como familiar, como amiga, como vizinha, como indivíduo em uma sociedade complexa, carente de amor e paralisada de medo.

“Seja a mudança que você deseja ver no mundo”. Na frase de Gandhi está a resposta para a discussão que iniciamos naquele dia voltando do trabalho. Estávamos cansados, com muitas dúvidas, mas ainda determinados em sermos pessoas melhores. E é isso que importa no final das contas, não é?

domingo, 15 de janeiro de 2017

O tempo

Sinto que vivo presa à uma agenda. Como se eu estivesse grudada naquela fitinha vermelha, que servia para marcar a página nas antigas agendas de papel. E que ela está ali, controlando a minha existência, e me cobrando toda a vez que a desconsidero ou ignoro o que ela manda fazer.
Sim, eu e você já estamos acostumados com a obdiência social de respeitar horários de trabalho, de reuniões e eventos profissionais, e também de outros hábitos cotidianos como a hora do almoço e do jantar. O Google calendar faz questão de me lembrar 10, e 5 minutos antes de cada um desses compromissos, interrompendo qualquer coisa que eu esteja fazendo. É quase como uma ameaça: vá logo fazer o que eu estou mandando!
Obedecemos também sem contestar, à uma agenda de eventos definidos por religioes que não praticamos. E saímos correndo do trabalho para chegar ao shopping antes das 10 para comprar presentes festivos. Tudo está ali, definido por ela. O momento em que saímos pra tomar cerveja com os amigos, o momento que vamos praticar atividade física, o momento que almoçamos em família, o momento em que tomamos banho, até o momento que temos que casar e ter filhos. Em menor ou maior grau, cada um tem alguma flexibilidade na sua agenda, mas todos estamos presos à ela.
E aí saímos de férias, muitas vezes reclamando que estamos cansados dessa rotina. Já no primeiro dia traçamos planos que mais se parecem com a agenda do presidente da República (tenho dúvidas se a agenda dele é realmente atribulada, mas da pra entender o que estou dizendo).
Nessa última viagem, cheguei no hostel de uma cidadezinha pitoresca ao Sul do Chile e tudo o que vi foram pessoas correndo de um lado para o outro cumprindo com sua agenda de viagens, ou a enchendo ainda mais para os próximos dias.
Estava sentada, no jardim, tomando um chá, lendo meu livro e observando o vulcão ente uma página e outra, quando percebo um casal, do lado de dentro, em frente aos seus computadores discutindo, (não tão amigavelmente) os planos para os dias seguintes. O dia estava lindo, e o vulcao podia até ter entrado em erupção naquele momento, e eles não percebiam.
Em outro hostel escutei de um senhor que não faria o tour programado para aquele dia porque era o de número 4, e ele queria fazer "direito" e iniciar pelo tour número 1, que sairía no outro dia pela manhã. Claro, faz muito sentido ordenar as visitas aos monumentos históricos de acordo com a numeração dos tours da agência de viagens!
Em outro dia fui assistir ao amanhecer, num lugar fantástico, provavelmente um momento sem igual. Queria que passasse devagar e fiquei num exercício de observação da mudança das cores do céu em silêncio, enquanto ao mesmo tempo turistas corriam de um lado pro outro pra tirar a melhor foto.  E nem bem o sol aparecera no horizonte, já estavam indo embora! Provavelmente a agenda deles dizia que eles tinham que ir. Melhor obedece-la.
Já eu, sou uma pessoa, que morro aos poucos por dentro, sufocada pelas cobranças da minha agenda. Sempre tive problemas com isso e me culpei (e ainda me culpo) por não ter a disciplina da minha mãe, em seguir uma rotina.
Veja só que ironia da vida. Hoje sou Gerente de Projetos, e uma das minhas responsabilidades deveria ser planejar atividades e assegurar que elas estejam sendo executadas no momento certo. Hum, deveria reflletir melhor sobre isso depois...
Me encanta a arte de não fazer nada, de observar o momento, de ver as pessoas passarem, de ver as nuvens do céu mudarem de posição, de ouvir meus pensamentos, e ouvir a minha respiração. Gosto de não ter hora pra comer, pra dormir, pra acordar (meu corpo lembra disso quando desperta nas noites de insônia). E me irrito profundamente quando percebo que perdi horas da minha vida presa na internet.
Lembro que durante os anos de faculdade, sentada à mesa de desenho, que ficava ao lado da janela, me perdia em pensamentos. Quando percebia, havia passado meia hora que estava só olhando através do vidro, o nada. Talvez por isso que também me fascina as viagens longas de ônibus, em que eu posso passar horas, só olhando através da janela a mudança de paisagens.
Tenho a maior facilidade do mundo em chegar em casa e fazer nada. Deitar na cama e olhar para o teto, e me perder em pensamentos. Ou sentar na varanda com um copo de vinho na mão, escutando os barulhos da vizinhança.
Por isso que me assusta, e um pouco me incomoda, as pessoas que não tem a capacidade de ser levadas pelo tempo, que não se permitem nunca o acaso. O sair sem rumo, sair de férias sem planos, almoçar as 5 da tarde ou as 10 da manhã, sentar num banco da praça sem ter hora pra levantar, ficar em silêncio, mesmo ao lado de outras pessoas,  deixar de subir à Torre Eiffel para se deitar a sombra de uma árvore e ver a senhora levando o pão em baixo do braço.
Como sempre, tenho dúvidas se esse meu jeito, que muitas vezes parece preguiçoso, é o certo. Mas assim é como as coisas são para mim. Gosto de sentir o tempo passar. Estou tentando aceitar que sou assim, sem me culpar tanto por não querer ficar presa, naquela velha fitinha vermelha da agenda.