Criei um hábito
de contar e repetir para toda e qualquer pessoa que se interessa pela minha
gravidez, que eu nunca antes havia pensado em ser mãe. Muitas vezes sinto que
ficar repetindo isso aos quatro ventos me torna uma mulher negligente e
irresponsável, uma mãe sem coração. Não sei se as pessoas pensam isso mesmo, ou
se não dão a mínima bola quando eu falo em tom de muitas exclamações que eu
nunca imaginei ser mãe, mas para mim a afirmação direciona para um julgamento
instantâneo, de que não está certo falar isso, afinal ser mãe é uma "benção".
Eu acredito que
por não ter essa pretensão, eu nunca obtive informações sobre a gravidez, e em
consequência eu não tinha a mínima ideia de que estar grávida podia causar
tantas dores.
As dores
surgiram logo no início. Começaram com dores de estômago e cólicas, incômodos e
coceira nos seios que cresciam rápido demais. E seguiram em dores nas costas, e
nas pernas por dificuldade de circulação. Continuo tendo incômodos na hora de
dormir, na hora de caminhar, na hora de ir no banheiro, e outras coisinhas que
nem sei se vale mencionar. O peso da barriga atrapalha. Todas as roupas
apertam. Ficar sentada por muito tempo é ruim, ficar deitada faz meu ciático
doer. Eu me sinto muito gorda, caminhando como uma pata. Amarrar o sapato é
difícil, subir uma escada é cansativo, lavar a louça só de ladinho, e sentir o
bebê mexer nem sempre é a sensação mais agradável do mundo. Fora o sono, que às
vezes é incontrolável. E as restrições alimentares, afinal você é responsável
por nutrir um pequeno ser humano que está se desenvolvendo dentro de você.
Às vezes tenho crises de raiva, e só consigo pensar na possibilidade de poder
arrancar a barriga por um tempinho para me sentir menos indisposta. Fora as
variações de humor, as crises de choro, o medo e a ansiedade.
Se você for como
eu, vai ler tudo isso e pensar que estou tendo uma péssima experiência, que
estou sendo negativa, cruel e injusta. É, parece que falar, salientar e
reclamar disso tudo me torna uma péssima mulher. E por que mesmo?
Por que me sinto tão culpada de falar sobre as dores e dificuldades da
gravidez?
Porque eu nunca
ouvi ninguém falar sobre isso! Porque nunca me ensinaram na escola as etapas de
uma gestação. Porque nunca me ensinaram sobre o parto natural e sua
importância, porque nunca, nenhuma mulher ou homem me alertaram para os riscos,
para os cuidados, e para os sintomas de gestar uma vida dentro do meu corpo. É
quase como um assunto velado. Falar disso é feio, te torna uma pessoa ruim.
Pois afinal eu deveria estar feliz e agradecida por ter a oportunidade de ser
mãe, e só. E é verdade.
Sim, eu estou feliz e muito agradecida por tudo estar dando certo na gravidez,
por todas as descobertas e mudanças, por todo o autoconhecimento que
desencadeia a cada nova etapa, mas isso não muda nada as horas de dores físicas
e emocionais.
A questão é que
tenho muitos privilégios, e tenho muito apoio da família e da empresa em que
trabalho para passar por essa etapa. Mas as mulheres que não os tem? E as
mulheres que trabalham em atividades braçais, que não podem parar de trabalhar
até o bebê nascer, e que tem que continuar com suas responsabilidades
domésticas? E as mulheres que não tem direito a licença maternidade, ou que não
tem quem assuma o trabalho doméstico durante a sua gestação? E as que não tem
nenhum tipo de suporte emocional?
Não há espaço
para essa discussão, não há espaço para falar abertamente sobre as
dificuldades, sobre a fragilidade da mulher nesse período, e ignorar tudo isso ainda ajuda na manutenção do nosso sistema. Melhor mesmo banalizar e transformar os
desconfortos em privilégios e piada, como na tirinha abaixo (de uma página do Face). Afinal
as mulheres grávidas, estão só grávidas e não tem nenhuma necessidade
específica. Devem continuar produzindo, e devem manter suas responsabilidades
profissionais e domésticas. É quase um: fica quietinha, para de reclamar,
continua trabalhando, em casa e no trabalho, logo isso vai passar e todas essas
dores serão esquecidas. Foca a tua atenção no deleite de ser mãe, e agradece!
Fico só
imaginando se fossem os homens a passar por tudo isso, com certeza o resultado
seria muito diferente...
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