domingo, 15 de janeiro de 2017

O tempo

Sinto que vivo presa à uma agenda. Como se eu estivesse grudada naquela fitinha vermelha, que servia para marcar a página nas antigas agendas de papel. E que ela está ali, controlando a minha existência, e me cobrando toda a vez que a desconsidero ou ignoro o que ela manda fazer.
Sim, eu e você já estamos acostumados com a obdiência social de respeitar horários de trabalho, de reuniões e eventos profissionais, e também de outros hábitos cotidianos como a hora do almoço e do jantar. O Google calendar faz questão de me lembrar 10, e 5 minutos antes de cada um desses compromissos, interrompendo qualquer coisa que eu esteja fazendo. É quase como uma ameaça: vá logo fazer o que eu estou mandando!
Obedecemos também sem contestar, à uma agenda de eventos definidos por religioes que não praticamos. E saímos correndo do trabalho para chegar ao shopping antes das 10 para comprar presentes festivos. Tudo está ali, definido por ela. O momento em que saímos pra tomar cerveja com os amigos, o momento que vamos praticar atividade física, o momento que almoçamos em família, o momento em que tomamos banho, até o momento que temos que casar e ter filhos. Em menor ou maior grau, cada um tem alguma flexibilidade na sua agenda, mas todos estamos presos à ela.
E aí saímos de férias, muitas vezes reclamando que estamos cansados dessa rotina. Já no primeiro dia traçamos planos que mais se parecem com a agenda do presidente da República (tenho dúvidas se a agenda dele é realmente atribulada, mas da pra entender o que estou dizendo).
Nessa última viagem, cheguei no hostel de uma cidadezinha pitoresca ao Sul do Chile e tudo o que vi foram pessoas correndo de um lado para o outro cumprindo com sua agenda de viagens, ou a enchendo ainda mais para os próximos dias.
Estava sentada, no jardim, tomando um chá, lendo meu livro e observando o vulcão ente uma página e outra, quando percebo um casal, do lado de dentro, em frente aos seus computadores discutindo, (não tão amigavelmente) os planos para os dias seguintes. O dia estava lindo, e o vulcao podia até ter entrado em erupção naquele momento, e eles não percebiam.
Em outro hostel escutei de um senhor que não faria o tour programado para aquele dia porque era o de número 4, e ele queria fazer "direito" e iniciar pelo tour número 1, que sairía no outro dia pela manhã. Claro, faz muito sentido ordenar as visitas aos monumentos históricos de acordo com a numeração dos tours da agência de viagens!
Em outro dia fui assistir ao amanhecer, num lugar fantástico, provavelmente um momento sem igual. Queria que passasse devagar e fiquei num exercício de observação da mudança das cores do céu em silêncio, enquanto ao mesmo tempo turistas corriam de um lado pro outro pra tirar a melhor foto.  E nem bem o sol aparecera no horizonte, já estavam indo embora! Provavelmente a agenda deles dizia que eles tinham que ir. Melhor obedece-la.
Já eu, sou uma pessoa, que morro aos poucos por dentro, sufocada pelas cobranças da minha agenda. Sempre tive problemas com isso e me culpei (e ainda me culpo) por não ter a disciplina da minha mãe, em seguir uma rotina.
Veja só que ironia da vida. Hoje sou Gerente de Projetos, e uma das minhas responsabilidades deveria ser planejar atividades e assegurar que elas estejam sendo executadas no momento certo. Hum, deveria reflletir melhor sobre isso depois...
Me encanta a arte de não fazer nada, de observar o momento, de ver as pessoas passarem, de ver as nuvens do céu mudarem de posição, de ouvir meus pensamentos, e ouvir a minha respiração. Gosto de não ter hora pra comer, pra dormir, pra acordar (meu corpo lembra disso quando desperta nas noites de insônia). E me irrito profundamente quando percebo que perdi horas da minha vida presa na internet.
Lembro que durante os anos de faculdade, sentada à mesa de desenho, que ficava ao lado da janela, me perdia em pensamentos. Quando percebia, havia passado meia hora que estava só olhando através do vidro, o nada. Talvez por isso que também me fascina as viagens longas de ônibus, em que eu posso passar horas, só olhando através da janela a mudança de paisagens.
Tenho a maior facilidade do mundo em chegar em casa e fazer nada. Deitar na cama e olhar para o teto, e me perder em pensamentos. Ou sentar na varanda com um copo de vinho na mão, escutando os barulhos da vizinhança.
Por isso que me assusta, e um pouco me incomoda, as pessoas que não tem a capacidade de ser levadas pelo tempo, que não se permitem nunca o acaso. O sair sem rumo, sair de férias sem planos, almoçar as 5 da tarde ou as 10 da manhã, sentar num banco da praça sem ter hora pra levantar, ficar em silêncio, mesmo ao lado de outras pessoas,  deixar de subir à Torre Eiffel para se deitar a sombra de uma árvore e ver a senhora levando o pão em baixo do braço.
Como sempre, tenho dúvidas se esse meu jeito, que muitas vezes parece preguiçoso, é o certo. Mas assim é como as coisas são para mim. Gosto de sentir o tempo passar. Estou tentando aceitar que sou assim, sem me culpar tanto por não querer ficar presa, naquela velha fitinha vermelha da agenda.

Um comentário:

  1. sinto que tu esta super certa e a angustia vem de viver num sistema que ja esta provado que não funciona, procura o sincronário da paz

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